quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Histórias do Tenente Adauto - 1

Histórias do Tenente Adauto

As passagens do Tenente Adauto Freire da Costa, nem sempre são necessariamente verídicas, nem os fatos se correlacionam rigorosamente com as datas e os personagens mencionados em suas histórias. Elas fazem parte de seu imaginário fantástico, onde realidade e ficção perambulam e se complementam. Era ao mesmo tempo desportista, músico, boêmio caseiro e militar apaixonado pelo Exército brasileiro. Radicado em Fortaleza nos anos 50, criou e formou todos os seus onze filhos com seu soldo do Exército, e na época dos piores momentos do regime militar, jamais deixou que qualquer de seus filhos seguisse sua carreira, talvez com vergonha dos rumos que havia tomado seu querido Exército.
A história do Faísca faz parte de seu leque de casos, certamente algo foi real, mas uma boa parte surgiu de seu imaginário iluminado.

O Faísca.


Pelos idos dos 40, na bela e pacata Natal no Rio Grande do Norte, despontava no futebol um craque de nome Adauto, que ladeava a sua destreza no esporte bretão, com a música popular brasileira. À época figurava como um dos componentes do trio Pintassilgos Suburbanos, onde tratava com carinho as cordas do inseparável violão. Vivia dessa forma suas duas paixões, o esporte e a música.

O craque Adauto surgia como uma das esperanças de soerguimento de sua equipe, jogando na zaga do simpático Alecrim de Natal. Era um marcador implacável e além de defender bem avançava para o ataque no melhor estilo overlapping(zagueiro que vira uma espécie de líbero e pode chegar como elemento surpresa a área adversária); suas jogadas encantavam a torcida e um futuro promissor se avizinhava para aquele atleta.

O campeonato papa-gerimum daquele ano era só empolgação e se aproximava do grande dia da decisão, de um lado o imbatível Alecrim, com a melhor campanha do campeonato e necessitando apenas de um simples empate para sagrar-se campeão estadual. Do outro, o ABC de Natal, envolto em crise, pois seus jogadores um dia antes do jogo final, haviam participado de uma noitada de orgias em um conhecido lupanar do centro da cidade. Conta-se que os jogadores chegaram da farra pela madrugada e muitos deles completamente bêbados.

Chega a hora da decisão, apita o árbitro o começo da partida, e o Alecrim começa o jogo arrasador; em menos de cinco minutos já faz seu primeiro gol. O que se segue no restante do primeiro tempo é um verdadeiro massacre, três a zero para o Alecrim e o craque Adauto nos braços dos companheiros de time, atuação irrepreensível.

Eis que chega o segundo tempo do jogo, o técnico do ABC, já desmotivado, arrisca logo todas as suas substituições, e põe em campo justamente os jogadores que retornaram da noitada mais embriagados. Dentre estes havia um especial, de nome Faísca. Baixinho, escurinho, pernas tortas, rapidíssimo com a bola dominada, daí a origem de sua alcunha. O técnico, em tom jocoso, foi dizendo: “joga a bola no Faísca que ele resolve!” Fora de campo um massagista de nome Zelão, prepara um óleo especial e besunta Faísca com gosto, para esquentar os músculos, segundo ele. Este procedimento se seguiu ao longo da segunda etapa e a cada dez minutos, Zelão esfregava em Faísca seu óleo milagroso.

Bola no Faísca e o intrépido atacante vai para cima da zaga do Alecrim, tão rápido que ninguém o detém, resultado, primeiro gol do ABC. O segundo gol sai como o primeiro, bola no Faísca e ele passa pela zaga como um raio, colocando no canto direito do goleiro alecrinense já atônito. Quarenta minutos de jogo e outra vez Faísca joga a bola entre os zagueiros e entre pernadas, agarrões e empurrões dos adversários arranca o gol de empate, provocando mais inquietação nos torcedores do Alecrim, e risos e ovações na torcida do ABC.

Último minuto de jogo, mesmo ressabiada, a torcida do Alecrim vibra pelo empate pedindo que o juiz encerre logo àquela aflição. Bola mais uma vez no Faísca, ele vira para um lado, vira para o outro e avança para cima da zaga, encontrando em sua frente o craque Adauto, que tenta segurá-lo sem sucesso. O medonho liso lhe escapa das mãos; tenta derrubá-lo com uma pernada, Faísca salta e se livra da queda indo em direção ao gol, sem que ninguém mais o alcançasse. Vendo-se perdido, o zagueiro Adauto retira sua chuteira e arremessa contra o endiabrado atacante; a força é tanta que ele não consegue se manter de pé, caindo ao chão desajeitadamente, provocando achincalhe do público presente. Resultado: erra o alvo, Faísca faz o gol da vitória e o zagueirão é expulso de campo, ABC campeão estadual.

Soube-se após a partida, que o massagista, um macumbeiro conhecido dos terreiros da cidade, passava em Faísca um óleo feito de sebo de carneiro, sacrificado nas seções de candomblé.
Após esta fatídica passagem pelo mais adorado esporte nacional, o craque Adauto alistou-se nas fileiras da Força Expedicionária Brasileira para lutar contra o terror nazista na Segunda Guerra Mundial. O futebol pode ter perdido seu gênio da bola, mas o Exército brasileiro ganhou um dedicado profissional.

Nivaldo Barros da Costa – filho nº 7 do Tenente Adauto.

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